A dinastia dos Herodes marcou profundamente a história bíblica do Novo Testamento. Compreender quem foram esses governantes, suas origens e relações familiares, ajuda a interpretar melhor os eventos que cercam o nascimento de Jesus, o ministério de João Batista e até as viagens missionárias do apóstolo Paulo. O primeiro e mais famoso deles foi Herodes, o Grande, conhecido por sua habilidade política, seu espírito ambicioso e, ao mesmo tempo, sua crueldade extrema.

Herodes, o Grande — origem, governo e índole
Herodes, o Grande, nasceu por volta de 73 a.C. e não era judeu de origem. De acordo com o estudioso Watson, ele era idumeu por nascimento, judeu por profissão, romano por necessidade e grego por cultura. Essa frase resume bem sua complexa identidade: descendente de edomitas, seguidor nominal do judaísmo, aliado do Império Romano e admirador da cultura helenística. Embora fingisse respeitar a Lei, ele praticava costumes pagãos e buscava agradar Roma a qualquer custo.
Ambicioso desde cedo, Herodes iniciou sua carreira governando a Galileia e, com astúcia, conquistou o trono de toda a região. Em 37 a.C., Roma lhe concedeu o título de “rei dos judeus”. Naquele período, a Palestina estava dividida em seis distritos — Judeia, Samaria, Idumeia, Galileia, Pereia e Itureia — e ele administrava todos com uma combinação de grande capacidade organizacional, brutalidade e paranoia.
Além de suas habilidades políticas, Herodes se destacou por obras grandiosas. Reconstruiu Jerusalém, reforçou as muralhas e ergueu palácios luxuosos, incluindo o Forte Antônia, próximo ao templo. Também reconstruiu a cidade de Samaria, dando-lhe o nome de Sebasta em homenagem a César Augusto. Em 19 a.C., iniciou a reconstrução do Templo, concluída apenas no ano 64 d.C., o mesmo templo em que Jesus ensinou.
Por outro lado, sua crueldade tornou-se lendária. Ele mandou matar dezenas de opositores políticos e executou membros do Sinédrio. Além disso, ordenou a morte de sua esposa Mariana, de sua sogra Alexandra, de três filhos (Alexandre, Aristóbulo e Antípatro) e de vários líderes judeus, muitas vezes com base apenas em suspeitas. Sua paranoia era tão intensa que mantinha prisões secretas para tortura. Como resultado, o ódio dos judeus contra ele aumentou ao longo do tempo, mesmo diante das obras públicas que realizava.
O Herodes da matança dos inocentes
O Evangelho de Mateus (2:16) relata que, ao saber do nascimento de Jesus por meio dos magos do oriente, Herodes ordenou a matança dos meninos de até dois anos em Belém e arredores. Com essa ação cruel, ele pretendia eliminar qualquer ameaça ao seu trono. Esse episódio demonstra, de forma clara, sua natureza desconfiada e violenta. Por isso, José e Maria fugiram com Jesus para o Egito, cumprindo, assim, a profecia registrada em Oseias 11:1.
Herodes morreu em 4 a.C., provavelmente durante uma dolorosa enfermidade que o deixou debilitado e atormentado por remorsos e intrigas familiares. Depois de sua morte, o reino foi dividido entre seus filhos, seguindo a prática comum na política herodiana.
Herodes Arquelau — o temido sucessor
Arquelau recebeu a Judeia, a Samaria e a Idumeia. É citado em Mateus 2:22, quando José, ao voltar do Egito, evita estabelecer-se na Judeia por medo dele e decide morar na Galileia. Sua má administração e crueldade geraram protestos constantes. Em 6 d.C., Roma o depôs, transformando sua região numa província governada por procuradores romanos — entre eles, o mais famoso foi Pôncio Pilatos, que julgou Jesus.
Herodes Antipas — do julgamento de Jesus à morte de João Batista
Herodes Antipas governou a Galileia e a Pereia. É mencionado em Lucas 3:1 como tetrarca. Embora fosse habilidoso politicamente, seu nome ficou marcado por dois episódios bíblicos. Primeiro, foi ele quem mandou decapitar João Batista, atendendo ao pedido de Herodias, sua esposa, ex-mulher de seu meio-irmão Filipe I (Mateus 14:3-11). Segundo, durante a Paixão de Cristo, Pilatos o enviou para interrogar Jesus, pois Ele era da Galileia (Lucas 23:6-12). Antipas tratou Jesus com desprezo, vestindo-o com um manto para zombar dele.
Herodes Filipe II e Filipe I — menos conhecidos, mas relevantes
Herodes Filipe II governou a Itureia e as regiões de Traconites, Gaulanites e Auranites (Luccas 3:1). Foi um administrador tranquilo e construtor de cidades, como Cesareia de Filipe (Marcos 8:27). Morreu em 34 d.C., e seu território foi anexado por Herodes Agripa I.
Já Filipe I, embora não tenha recebido território para governar, entrou para a história por causa de Herodias, sua esposa, que o abandonou para se casar com Antipas (Mateus 14:3). Esse escândalo provocou a crítica de João Batista, levando à sua prisão e execução.
Herodes Agripa I — perseguidor da Igreja
Neto de Herodes, o Grande, Herodes Agripa I governou toda a Palestina de 41 a 44 d.C. É mencionado em Atos 12 como responsável pela morte do apóstolo Tiago, irmão de João, e pela prisão de Pedro. Agripa morreu de forma trágica, acometido por uma doença súbita, depois de receber a aclamação de “voz de deus e não de homem” sem dar glória ao Senhor (Atos 12:23).
Herodes Agripa II — o último da dinastia
Filho de Agripa I, Herodes Agripa II é citado em Atos 25 e 26, quando ouve a defesa de Paulo antes deste apelar para César. Ao contrário de seus antecessores, não governou toda a Palestina, mas regiões específicas sob supervisão romana. Foi o último da linhagem herodiana a exercer autoridade, vivendo até depois da destruição de Jerusalém em 70 d.C.
Conexões históricas e importância para o estudo bíblico
Conhecer cada Herodes e sua relação com os textos bíblicos ajuda a compreender melhor o pano de fundo histórico do Novo Testamento. A dinastia começou com um homem que, embora talentoso como administrador, governou com violência e medo. Seus descendentes, com raras exceções, continuaram a aliar política, intriga e crueldade, interferindo diretamente em eventos centrais da fé cristã.
Ao estudarmos os Evangelhos e Atos, percebemos que essas figuras não são apenas nomes soltos no texto. Elas representam forças políticas concretas, alianças com Roma, conflitos religiosos e pressões que moldaram o contexto em que Jesus e a Igreja primitiva viveram e proclamaram o Evangelho.